Dezenas de novos termos e conceitos não relacionados à doutrina foram incorporados à prática jurídica pela Advocacia 4.0 e pela dinâmica da Transformação Digital. A maioria desses vocábulos advindos de áreas como gestão, tecnologia e marketing não são intuitivos aos advogados e acabam gerando dúvidas e desconfianças a respeito de sua aplicação. Particularmente neste artigo trataremos dos verbetes inovação, transformação e disrupção, eventualmente tratados como semelhantes, ainda que possuam diferenças conceituais significativas.
O que é Inovação?
Dada a atualidade do assunto, existe uma farta literatura em livros e artigos sobre inovação. Cada qual possui versões e pontos de vistas relevantes, o que nos auxilia a compor uma definição prática:
Inovação é o processo organizável e gerenciável onde uma ideia é comunicada de forma intuitiva e executada de maneira eficaz para lidar com um problema específico a fim de produzir um resultado mais produtivo do que o anterior e ser adotado em grande escala para gerar valor ao cliente e vantagem competitiva à empresa.
Tipos de inovação mais comuns
Uma vez que não existe uma definição única e absoluta sobre inovação, faz sentido explorar o conceito em suas vertentes empíricas. São elas:
- Inovação Incremental: como o próprio nome enseja, são melhoras sutis em processos com o intuito de executá-lo em menos tempo e com menos custo operacional. Esse é o tipo mais comum de inovação, pois pode ser aplicado em qualquer situação sem exigir grandes projetos;
- Inovação Radical: esta modalidade cria um processo ou produto inédito, no entanto não altera o mercado ou o comportamento dos consumidores;
- Inovação Transformacional: aqui ocorre alguma transformação mais profunda no mercado devido a uma alteração significativa em alguma base de competitividade ou de tecnologia. Com isso ela modifica gradualmente alguns hábitos e comportamentos.
- Inovação Disruptiva: provoca uma ruptura com os paradigmas tradicionais de um mercado específico e a criação de um novo hábito de consumo. Os disruptores não jogam pelas mesmas regras das empresas tradicionais, por isso o impacto causado sobre cultura, usos e costumes é tão grande que esse impacto não ocorre somente nos negócios, mas em toda a sociedade. A disrupção se inicia quando uma empresa se vale de um Modelo de Negócio Inovador e entrega muito mais valor aos clientes de algum mercado. Com isso os concorrentes não conseguem competir diretamente ou porque o produto/serviço está muito além em termos de experiências oferecidas ao cliente ou porque traz uma solução totalmente inesperada que mescla dois ou três setores inesperados. Ou seja, essa empresa inovadora cria e ocupa novos espaços de Mercado quando mescla esses setores que até então eram distantes e impensados de funcionarem juntos.
- Inovação Aberta: é o processo distribuído entre stakeholders que envolve a gestão proposital do fluxo de conhecimento além das fronteiras da organização.
Inovação X Tecnologias
Este é um ponto delicado. Existe uma tendência de associar inovação às novas tecnologias transformadoras, o que é um equívoco. Mas por outro lado, quase toda inovação está ligada a alguma tecnologia. Para desenrolar esse dilema, se faz necessário compreender o que significa tecnologia. Em tese tudo o que não é da natureza e foi moldado ou construído pelo ser humano para executar um trabalho com mais facilidade é uma tecnologia. A pedra lascada, caracterizada pela fabricação de ferramentas, como machados, lanças, cajados, facas e outros objetos, foi uma das primeiras tecnologias criadas por nossos antepassados do Paleolítico.
Nesse sentido, mesmo a inovação incremental que promove uma pequena mudança em processos existentes, geralmente se utiliza de alguma tecnologia para tal, ainda que essa tecnologia seja algo rudimentar como uma ferramenta de pedra lascada.
O equívoco a que me refiro está em associar a inovação às tecnologias transformadoras que nos deslumbram no dia a dia, tais como a Inteligência Artificial e as Realidades Imersivas. Ilustrando com um exemplo factível, um advogado que lança mão de um template padronizado para petição inicial de determinada tese jurídica, já está promovendo uma inovação.
Onde promover a inovação?
Até aqui entendemos que inovação significa qualquer mudança significativa em um processo, produto ou serviço que proporciona uma melhoria da produtividade. Mas em quais locais e situações a inovação pode ser aplicada? Por se tratar de um método organizado, ela pode funcionar melhor em determinadas situações do que em outras. Vejamos algumas delas:
- Inovação em Produtos e Serviços: Tanto a melhoria de um produto existente quanto a criação de um novo produto se encaixam nos tipos de inovação que listamos anteriormente. Os objetivos com a inovação em produtos e serviços estão em agregar valor aos mesmo de modo a incrementar os seus diferenciais competitivos ou promover alguma facilidade no uso, otimizando a experiência.
- Inovação em Processos: ocorre quando se implementa modificações incrementais ou radicais em processos e métodos existentes. A finalidade desse tipo de inovação é otimizar a produtividade ao reduzir tempo de produção e custos operacionais.
- Inovação em Tecnologias: vimos a pouco o conceito de tecnologias e como elas podem ser desenvolvidas para auxiliar o trabalho humano. Quando se aplica a inovação para melhorar ou criar tecnologias estamos tratando diretamente de inovação tecnológica.
- Inovação em Modelos de Negócios: com o aumento da comoditização de produtos o diferencial entre eles passou primeiramente pelos serviços, depois pelo atendimento e atualmente pela experiência de consumo. Essa nova abordagem dos negócios, tirando o foco do produto e passando para o consumidor exige uma nova forma de pensar os negócios. O ponto mais importante de uma empresa deve estar no valor que ela entrega ao cliente. Com isso as organizações se viram obrigadas a repensar os seus modelos de negócio a fim de aplicar o foco no consumidor, o chamado customer centricity.
Para essa tarefa, nada melhor do que aplicar a inovação no âmbito da empresa como um todo. Uma organização pode inovar em sua gestão e liderança, modelo de negócio, cultura, ou ainda em setores específicos como recursos humanos, jurídico, marketing, entre outros. A finalidade da inovação em modelos de negócios é estabelecer claramente a sua proposta de valor ao mercado e criar diferenciais que proporcionem uma vantagem competitiva percebida pelo cliente em potencial.
Inovação nos escritórios jurídicos
A Transformação Digital nos escritórios e departamentos jurídicos já vem ocorrendo há algum tempo e já conta com players em elevado nível de maturidade digital. Tanto em escritórios e departamentos jurídicos quanto no sistema judiciário existem muitas inovações em curso através da digitalização, da automação e da aplicação dos conceitos de Direito 4.0. Nesse sentido podemos observar a implementação da gestão integrada das bancas, utilizando boas práticas de Controladoria Jurídica e Legal Operations. Essa sistematização do fluxo de processos internos provoca uma alteração sensível no modelo de entrega de serviços com foco no cliente em qualquer área de atuação, seja no consultivo ou no contencioso.
Essa mentalidade de Startup, que obrigatoriamente passa por um perfil analítico e orientado a dados, se reflete em uma estrutura organizacional com modelos flexíveis e hierarquias horizontais. Ao mesmo tempo diversas tecnologias transformadoras permitem a melhoria da produtividade através da automação de documentos e processos, da comunicação mais dinâmica mesmo em situações de trabalho remoto e ainda de um atendimento mais eficaz utilizando tecnologias de voz como aplicativos de mensagens e chatbots.
Um escritório com essas características já possui maturidade na aplicação do Marketing Jurídico para identificar novas oportunidades em novos mercados e realizar a prospecção ética que gera negócios mais rentáveis. Todo esse movimento, inevitavelmente está consignado a uma sólida liderança orientada à transformação digital.
Na prática: como aplicar a inovação nos escritórios de advocacia
Passar da teoria à prática é o principal desafio para implantar uma cultura de inovação nos escritórios jurídicos. Isso porque não existe uma fórmula mágica ou uma receita infalível que funcione para todos os casos. Cada banca tem suas particularidades e precisará de um roteiro personalizado e exclusivo. Os recursos e métodos listados acima são úteis e necessários, porém sua aplicação é totalmente individualizada. A profundidade dos métodos de inovação também dependerá do porte do escritório e da mentalidade digital de seus sócios. Ainda assim, podemos arriscar a traçar um roteiro genérico que contemple as etapas mais importantes.
- Traçar um plano de inovação com políticas e objetivos;
- Definir se a implementação se dará em todo o escritório ou em um departamento;
- Mapear os processos administrativos e de produção jurídica;
- Promover a descoberta e mobilização da equipe: coletar insights e gerar ideias;
- Fazer a triagem das ideias e validação se tem potencial para resolver problemas e gerar valor;
- Experimentar e testar as ideias em um ambiente propício, tal como laboratório, piloto ou protótipo que possibilite análises;
- “Produtar”: a partir das ideias validades, criar processos, produtos ou serviços escaláveis;
- Monitorar as ideias e processos implementados segundo os critérios estabelecidos;
- Analisar os resultados obtidos e aferir o atingimento das metas;
- Gerar Insights e novas ideias que podem ser incorporadas para otimizar o novo processo.
Como se pode perceber o final desse roteiro se amarra a um novo início dele mesmo, o que possibilita sua aplicação utilizando o ciclo PDCA focado no projeto. Este roteiro é realmente genérico a fim de propor um paradigma geral que oriente a gestão da inovação. O ideal é que essa atividade seja conduzida por um especialista em inovação no papel de gestor. Este profissional pode ser contratado como consultor ou incorporado como colaborador fixo, a situação ideal dependerá de cada do escritório.
O Direito 4.0 é uma jornada inexorável para escritórios de todos os portes e áreas de atuação. Ao mesmo tempo ela é completamente individual e está condicionada ao nível de familiaridade com os ambientes digitais dos sócios. Ainda que todos possam enfrentar desafios de ordem financeira, humana e tecnológica, o maior obstáculo ainda é a criação de uma cultura interna voltada à inovação, seja do escritório como um todo, seja do próprio operador do Direito. O primeiro passo para a inovação no escritório jurídico sempre será a adoção de uma mentalidade digital.