Imagens e vídeos produzidos ou modificados através do uso da inteligência artificial (IA) já não são novidades. Quem não assistiu ao recente comercial de uma empresa francesa para divulgação da Copa do Mundo de Futebol feminino em que as imagens das jogadoras fazendo gols incríveis são alteradas via IA e trocadas pelas dos jogadores da seleção francesa masculina? Da mesma forma, inúmeros aplicativos com o uso do IA para textos, áudios, imagens e vídeos são lançados diariamente e sugeridos pelos algoritmos em nossas redes sociais
Se a IA já está tão presente no nosso cotidiano, não há como ignorar também o seu impacto cada vez mais relevante no mundo jurídico, inclusive dentro do Poder Judiciário. Os próprios tribunais vêm se emparelhando de softwares e ferramentas que se utilizam de IA para facilitar o seu dia a dia. Exemplo disso é o Programa Justiça 4.0, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que propõe o uso de novas tecnologias e de IA pelo Judiciário para garantir serviços mais rápidos, eficazes e acessíveis, promovendo soluções digitais colaborativas que automatizam as atividades dos tribunais, otimizando o trabalho dos magistrados, servidores e advogados.
Pioneirismo da Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho, por ser uma justiça de vanguarda, foi uma das pioneiras na adoção de novas tecnologias, tendo implementado desde 2018 o sistema Bem-Te-Vi para gerenciamento de processos judiciais e que se utiliza IA para fazer a análise automática da tempestividade dos processos. Mais recentemente, ainda como parte do Programa Justiça 4.0, foi lançado o Programa Provas Digitais, que faz uso de informações tecnológicas para auxiliar os magistrados na instrução processual, especialmente na produção de provas. Evidente, portanto, o impacto da IA sobre as provas digitais.
Ora, o artigo 396 do CPC autoriza as partes a valerem-se de todos os meios lícitos e moralmente legítimos de provas para trazer a verdade real ao processo. Neste sentido, é inconteste que o uso da tecnologia traz maior precisão e assertividade para estas provas, especialmente se comparadas à fragilidade de outras, como a testemunhal, por exemplo. Não é por acaso que o tema está tão em voga e tem sido cada vez mais debatido pela sociedade jurídica.
Pode-se citar como ferramentas já utilizadas (e aceitas) para a produção de provas digitais pelo Poder Judiciário o uso da geolocalização, postagens em redes sociais, uso de palavras-chave ou tags, biometria, raspagem de dados (data scraping), conversas em aplicativos de mensagens e e-mails, bem como varreduras em grandes bancos de dados. De fato, não há dúvidas que um “print screen” mostrando uma conversa de WhatsApp entre as partes envolvidas ou uma foto publicada em uma rede social entre elas, trará um poder de persuasão muito superior à simples oitiva de uma testemunha afirmando ter presenciado o fato, especialmente por não ser incomum que, em um mesmo processo, haja outra dizendo ter visto exatamente o contrário. Afinal, é a concretização do ditado milenar “ver para crer”.
Entretanto, em tempos de IA e de tecnologias revolucionárias, em que pese salutar a existência das provas digitais, é preciso muita cautela no seu uso e adoção por magistrados e advogados. Se por um lado, o uso da IA certamente contribui para aperfeiçoar as ferramentas que trarão todas essas provas digitais para o processo, também não se deve ignorar que ela igualmente pode ser utilizada para adulterar a verdade real. Tomando-se alguns dos exemplos já trazidos neste texto, não é difícil imaginar que um print de tela de WhatsApp ou mesmo uma imagem supostamente retirada de uma rede social tenha sido, na realidade, modificada através da IA, a exemplo do que foi feito para o comercial das jogadoras de futebol francesas. Quem pode garantir que a imagem que chega ao conhecimento do juiz é de fato verdadeira e representa o que efetivamente ocorreu?
A conclusão a que se chega, portanto, é que caberá aos operadores do direito valerem-se de todos os meios permitidos – inclusive do uso da IA –, para garantir a idoneidade das provas digitais trazidas ao processo uma vez que, no mundo atual, a máxima “ver para crer”, não se afigura mais absoluta.
Fonte: Jornal Floripa