As transformações no mercado jurídico não param de bombardear os operadores do Direito por todos os lados. São muitas novas boas práticas, conceitos e tecnologias reunidas em um grande receptáculo denominado Advocacia 4.0, a qual basicamente representa a Transformação Digital do universo jurídico.
Dentre tantas novidades, o Legal Design pode soar bastante estranho aos advogados, sobretudo os mais antigos que iniciaram suas atuações redigindo petições e peças diversas nas máquinas de escrever. No entanto, ao entender as novas demandas trazidas pelas tecnologias transformadoras, fica evidente que Legal Design é um caminho inexorável para a produção jurídica.
Como tudo o que compõe a Transformação Digital, Legal Design não é um conceito simples, afinal de contas a complexidade é a característica soberana dessa nova Era. Dessa forma, esse artigo não se propõe a lapidar uma definição única e exclusiva para esse movimento, mas trazer pontos de vistas a partir de vertentes como Inovação, Tecnologias, Comunicação, Métodos Ágeis e alguns outros.
Começando do princípio: o que é Design e como ele se tornou tão amplo?
O conceito de Design nasceu em meio à Revolução Industrial, quando houve uma cisão entre o artista, que trabalhava a arte pela arte; e o artesão que tinha um propósito de trabalho mais funcional. As primeiras manifestações de design propriamente dito começaram a ser observadas na doutrina da Gestalt, no movimento do construtivismo russo e na escola Bauhaus. Tudo isso estava fervilhando na década de 1910 e nesse contexto nasceu a disciplina do Design Gráfico.
Tecnicamente falando, o termo Design diz respeito a Projeto. Eu gosto de resumir o assunto de forma prática, considerando design como um equilíbrio entre Forma e Função. Vou usar um exemplo a fim de tornar essa definição mais compreensível. Você, caro leitor, já deve ter visto e usado centenas de tipos de cadeiras. Todas elas tem uma forma (a estética) e uma função (servir de assento para quem necessita.
Por mais que a forma sofra variações criativas, alterando o aspecto visual da cadeira, e sua função sempre será mantida e percebida pelo indivíduo que a aprecia e/ou utiliza. O design deixa de cumprir o seu papel caso esse equilíbrio se perca, ou seja, a estética seja tão alterada a ponto de impossibilitar que o móvel seja percebido ou utilizado como cadeira.
O Design e os recursos gráficos para pensar e planejar
Compreendido o papel do Design como facilitador entre a coisa a ser usada e o usuário, percebe-se que essa disciplina evoluiu para atender demandas mais complexas, sobretudo quando o ser humano passou a interagir com telas de dispositivos eletrônicos.
Aqui o equilíbrio entre forma e função envolve uma série de critérios e fatores. Daí nascem também os conceitos de Graphic User Interface e User Experience. Ambas as disciplinas se dedicam a prestar atenção em como as pessoas utilizam as coisas e lidam com as interfaces. A partir dessa observação são propostas otimizações que facilitem e simplifiquem a experiência de uso.
Notou como funciona o conceito de projeto? O design utiliza recursos gráficos para pensar e planejar. Antes de gerar produtos como logotipos, interfaces e identidades visuais, o design gráfico trabalha com rascunhos, sketches, esboços e layouts. Ou seja, a criatividade e a experimentação gráfica são a base primordial na proposição de soluções.
Essa maneira visual e gráfica de pensar e planejar, típica dos designers, inspirou os profissionais de gestão e inovação. Se o cérebro humano é multidisciplinar, nada mais natural do que utilizar ferramentas e recursos variados e criativos para pensar nos problemas. Se o ser humano é naturalmente gregário, nada mais natural do que desenvolver métodos coletivos e colaborativos para identificar barreiras e desenvolver soluções. E assim nasceu o Design Thinking.
E finalmente chegamos ao Legal Design
Desde os primórdios do design até aqui, a disciplina ganhou uma imensa variedade de aplicações. Nesse sentido, por que não uma aplicação relacionada à prática jurídica. Faz todo sentido, afinal toda peça jurídica tem uma função comunicacional que precisa ser compreendida pelo público destinatário através da forma. E foi seguindo essa lógica que a professora Margaret Hagan da Stanford Law School, desenvolveu em seu livro Law by Design, o conceito de Legal Design, um método que está revolucionando o direito e a justiça em todo o mundo.
Pelo fato de ter partido de um trabalho acadêmico o Legal Design foi muito bem organizado em bases conceituais. A primeira delas é o Design de Informação, o qual trata justamente do equilíbrio entre forma e função. O Design de Produto trata do projeto propriamente dito, ou seja, os esboços e a prototipagem. O Design de Serviço foca na experiência do usuário na resolução do seu problema.
O quarto pilar sai do aspecto operacional para entender e otimizar a forma como as pessoas podem trabalhar juntas e obter melhores resultados, por isso se denomina Design de Organização. Por fim, a quinta base compreende o Design de Sistemas que vai gerenciar os sistemas complexos elaborados nas etapas anteriores.
O que é Legal Design
A partir de todo o exposto, podemos afirmar que Legal Design é uma aplicação dos conceitos de design centrado em pessoas para tornar os serviços jurídicos mais humanos, utilizáveis e acessíveis. É uma forma de repensar como são entregues os produtos e serviços na área jurídica.
Isso porque o Legal Design prioriza o ponto de vista dos “usuários da Lei”, ou seja, como os cidadãos comuns, consumidores e empresários de micro, pequeno e médio portes conseguem “consumir” o conteúdo da produção jurídica de forma compreensível. É o oposto do que se pratica atualmente, onde o foco do conteúdo jurídico está nos advogados ou juízes e se apresenta pouquíssimo amigável para os leigos em “jurisdiquês”.
Na prática significa redigir documentos, contratos e peças jurídicas com linguagem acessível, diagramação bem estruturada dentro das normas ABNT e utilização de elementos visuais como tabelas, gráficos e imagens.
Vale destacar que a abrangência da abordagem do Legal Design não se restringe tão somente a contratos e petições iniciais. É necessário que o método inovador seja aplicado também a acórdãos, ementas, doutrinas, jurisprudências, decisões, normas sociais, políticas e outros tantos ordenamentos jurídicos.
Quem pode utilizar o Legal Design e quais as habilidades necessárias?
Uma questão que toda nova tecnologia ou prática suscita é: “a quem se aplica esse negócio?” No caso de Legal Design a resposta é muito simples: a todos os operadores e stakeholders do Direito. Isso significa advogados autônomos, escritórios de Advocacia, Departamentos jurídicos, Desenvolvedores de Software, Designers, Gestores de Projetos e qualquer profissional que esteja envolvido direta ou indiretamente em algum fluxo de trabalho que envolva a produção e a comunicação jurídica.
Normalmente, mas não obrigatoriamente, a implementação de Legal Design envolve uma equipe multidisciplinar. Mas obviamente esse tipo de estrutura somente seria viável para escritórios de médio porte. A ideia de toda inovação é que ela não seja restritiva.
Se um método inovador segrega boa parte do universo que pode desfrutar dessa melhoria, ela realmente não é tão útil. Por isso a aplicação do Legal Design tem que propor métodos de implementação mesmo para advogados autônomos que irão desenvolver as habilidades necessárias através de estudos e capacitação.
Novas habilidades
As habilidades necessárias para isso se dividem em dois grupos, técnicas e emocionais, e dizem respeito tanto aos especialistas das equipes multidisciplinares quanto aos advogados que se propõe a praticar por conta própria.
Do lado das habilidades técnicas, também denominadas hard skills, podemos enumerar os conhecimentos do método Design Thinking, prototipação, design gráfico, storytelling, gamificação, gestão de projetos, de alta fidelidade, programação. Já as soft skills, as habilidades emocionais e humanas, considera-se a empatia (entender o ponto de vista da pessoa impactada pelo problema), a criatividade, curiosidade, o espírito colaborativo, visão crítica e a disposição de correr riscos.
A última questão sobre a aplicação do Legal Design é como o escritório irá implementar. Pode reunir uma equipe multidisciplinar interna, pode contratar uma consultoria ou ainda pode se capacitar para fazer sozinho. Essa última opção é a mais coerente para pequenos escritórios e advogados autônomos e ela é totalmente viável. Seja qual for o caminho escolhido, o mercado já dispõe de literaturas de qualidade para a auto capacitação, bem como consultores especializados.